“Bendito o que vem em nome do Senhor”.


Data da Postagem: 17 de Abril de 2019

            Irmãs e irmãos, estamos iniciando, com o Domingo de Ramos, a Semana Santa, que traz em nossa mente e em nosso coração, tantas lembranças de casa. Boas recordações que dizem tanto de como as igrejas domésticas viviam esses momentos e que agora estão enraizados em cada um de nós. Somos gratos as nossas famílias por nos inserir, com tanta simplicidade, nossos mistérios do Senhor. Agora, porém, com esta Semana Santa, somos chamados a lançar os olhos Naquele que muito amou, que esvaziou-se de si mesmo, e por isto foi exaltado por Deus, Aquele que é o nosso auxiliador, e que está junto de nós.

            Se na quarta-feira de cinzas ouvimos que somos embaixadores de Cristo, a partir de hoje, ao decorarmos nossas casas com estes ramos bentos, recordamos a “vitória de Cristo” (PS, 29), e seu reinado em nossos lares, renovamos a missão a nós confiada, que é a mesma de Jesus: “Como o Pai me confiou o Reino, eu também vos confio o Reino”. E como a Palavra nos ensina: o Reino de Deus não é comida, nem bebida, mas justiça, paz e alegria no Espírito Santo (Rm 14,17).

            Hoje, Jesus entra em Jerusalém. Sua vida, junto a história humana, foi sempre este ir à Jerusalém. Com a procissão de Jesus, lembramos que, assim como o povo de Israel era peregrino, ele também o foi, como igualmente o somos. E ali, em Jerusalém, vamos, ao longo desta Semana Santa, viver com Ele os momentos mais dramáticos e cruciais da sua vida e da vida da sua comunidade, como também um novo tempo, o tempo da vida nova, da vitória, do novo homem e da nova mulher, nascidos em Cristo.

A liturgia que ouvimos é muito linda, e dentre tantos elementos a serem considerados, trago ao centro apenas dois, a partir dos dois evangelhos proclamados.

            O primeiro deles nos coloca na cena da entrada messiânica de Jesus em Jerusalém. O texto nos fala de uma multidão de pessoa que proclamava o poder de Deus, louvando e gritando de alegria. Mas o texto também nos diz que ali, junto a multidão, infiltrados, se encontravam alguns fariseus. E estes, revestidos com um moralismo exacerbado, um rigorismo cego, uma prática religiosa comprometida, repreendiam Jesus a fim de que ele calasse a multidão, impedindo-a de  proclamar o poder de Deus sobre o poder da morte, das trevas, da opressão. A resposta de Jesus é iluminadora, é fantástica: “se eles se calarem, as pedras gritarão” (Lc 19,40). Ninguém pode calar o Senhor. Ninguém pode silenciar o louvor que o ser humano é chamado a oferecer ao seu Senhor. Ninguém.

Este texto nos ajuda a entender que, embora carreguemos os ramos nas mãos, proclamando o reinado do Senhor, somos um povo peregrino, e junto de nós, infelizmente, alguns também querem impedir nossa voz. Por isto, não permitamos que ninguém neutralize nossos sonhos, nossas lutas, nossos gritos. Que não neutralizem, com falsas mentiras, a ação de Deus. Que não instrumentalizem o sagrado, profanando-o, em nome de seus interesses diabólicos.

            A Igreja parou, nesta quaresma, para refletir sobre esta missão de serviço – do Reino a nós confiado – refletindo sobre as políticas públicas, diante de cenários decepcionantes, gritantes, revoltantes. Os quais não podemos fingir não vê-los. Parou para refletir a missão dada por Jesus: eu vos confio o Reino... O reino de Deus não é comida, nem bebida, mas justiça, paz e alegria no Espírito Santo.

            O segundo ponto: fala da hora das trevas e a hora de Deus. É verdade que o texto da paixão é um texto difícil, pesado, denso, de tanto sofrimento que do céu desceu um anjo para confortar a Jesus. Aqui vamos nos deter na dinâmica destas duas horas. E o que dizer delas?

            A hora do poder das trevas: após a experiência do deserto, Satanás foi embora, para voltar na hora oportuna. O texto de hoje trata desta hora oportuna, aonde o poder das trevas parece vencer, e nos desafia profundamente. Mas, quando parece vencer:

- parece vencer na traição do discípulo que o entrega por algumas moedas;

- parece vencer pelos discípulos que se preocupam em quem é o maior;

- parece vencer nas falsas seguranças: no beijo de Judas, na precária defesa de Pedro ao desembainhar a espada, em busca de uma justiça limitada; na libertação de um malfeitor no lugar do Nazareno;

- parece vencer quando os inimigos – Herodes e Pilatos – se tornam amigos para humilhar, para usar de poder a fim de proclamar vitoriosa a injustiça;

- parece vencer quando se dá a condenação de um inocente, que é considerado ladrão, subversivo, agitador, que é humilhado, ridicularizado, espancado, crucificado, mesmo que diante de todos, foi dito em bom tom que não fora encontrado nada que o condenasse;

- parece vencer quando a multidão perde sua identidade, e torna-se marionete, fantoche, massa de manobra, instrumento do mal, da injustiça, do falso culto, da falsa religião.

            A hora das trevas é a hora da tristeza, da escuridão, da miséria, do fracasso. É a hora em que o sol para de brilhar. É triste pois essa hora parece vencer, parece destronar o poderio do Senhor. Parece revelar a ausência de Deus na história, e da sua indiferença diante da dor do próprio Filho, e da humanidade. O Senhor morreu e o silêncio tomou conta.

            Diferente é a hora de Deus, que é a hora do amor: “Deus é amor e só o amor é capaz de se humilhar, ser condenado e morrer pelo amado” (Pe. Almeida). Esta hora vem marcada:

- pelo olhar amoroso de Jesus diante da negação de Pedro;

- pela serenidade daquele que injustamente é condenado;

- pelo combate solidário, o Pai e o Filho estão juntos, na imagem do anjo; pela presença, desde sempre do Pai junto ao Filho;

- pelo ombro humano de Simão de Cirene, que alivia o peso da indiferença e da injustiça;

- pelo perdão dado por Jesus; pela entrega do reino ao malfeitor arrependido: ainda hoje estarás comigo no paraíso;

- pela última cura realizada por Jesus no evangelho, a orelha do soldado, quando destrona, uma vez e para sempre, o reino da violência, das amas, pois no seu Reino não há espaço para a violência, o seu reino não se constrói por falsas defesas, mas responsabiliza a todos à promoção da paz, sobretudo os que tem mais responsabilidades. Jesus é o líder por excelência, e ensina como faz;

- por aquele pequeno grupo de fiéis, que acompanha tudo próximo da cruz. E que se tornou a Igreja, peregrina e promotora da paz;

- entre outros, a hora de Deus, é marcada pela fidelidade de Jesus até o fim, por amor.

            A hora de Deus venceu, e deu sentido à vida. E por isto estamos aqui, com estes ramos nas mãos, proclamando o reinado do Senhor em nossas vidas. Os filhos da Igreja agora marcham ao encontro do Senhor, e nele renovam suas forças.

            Uma última palavra. Irmãos, o galo continua cantando e não podemos tapar nossos ouvidos. O galo continua cantando, não para nos humilhar, mas para nos despertar, para nos fazer olhar o olhar amoroso de Jesus, que se esvaziou e amou até o fim. Por isto, esta Semana Santa é um convite para olharmos para o Senhor. A partir desta experiência, poderemos olhar a nós, o outro, o mundo, com os olhos do Senhor. Este olhar nos ajudará a entender o que nos diz Jesus: “Como o Pai me confiou o Reino, eu também vos confio o Reino”. E a termos a certeza de que, neste tempo de combate em que vivemos, onde por vezes o mal parece vencer, “o Senhor Deus é nosso auxiliador, por isso não nos deixemos abater o ânimo, conservemos o rosto impassível como pedra, porque sabemos que não sairemos humilhados” (Is 50,7).

Que Deus nos ajude ao longo desta Semana Santa. Que Ele nos ajude em nossa peregrinação. Assim seja.

Pe. Reginaldo Teruel Anselmo

14 de abril de 2019