ELE VAI A NOSSA FRENTE!


Data da Postagem: 06 de Abril de 2020

Homilia no Domingo de Ramos e Paixão do Senhor

Irmãs e irmãos, paz e recolhimento!

Com esta sagrada liturgia, no dia do Senhor, dia em que a família cristã se reúne para “louvar e glorificar” ao Senhor, inauguramos a Semana Santa, a semana mais importante para o cristianismo, aquela que dá sentido à toda nossa caminhada cristã. Fazemos memória da entrada de Jesus a Jerusalém assumindo todas as consequências da missão recebida pelo Pai. E nós vamos fazer esta caminhada seguindo o Mestre, seguindo suas pegadas. Porém, a faremos de uma forma nova, diferente que pode nos desapontar, decepcionar por não nos reunirmos na Igreja, casa da Comunidade, lugar tão querido por nós, lugar de memória. Essa decepção pode chegar em nossas vidas como noite escura, pesada, amarga, da dispersão. Por isto, devemos escutar a Jesus, que diz no evangelho de hoje: “Esta noite, vós ficareis decepcionados por minha causa. Pois assim diz a Escritura: Ferirei o pastor e as ovelhas do rebanho se dispersarão’. Mas, depois de ressuscitar, eu irei à vossa frente para a Galileia”.

Irmãos, esta Semana Santa nós não a viveremos de qualquer maneira, Ele vai a nossa frente. Ainda que não saibamos como serão as várias semanas que se seguirão, amargas, pesas, tensas, tristes, de luto, Ele vai a nossa frente, pois já vivemos o tempo do Ressuscitado. Não precisamos nos decepcionar – temos que nos olhar sim, rever nossos passos, opções, posturas, jeito de viver – mas na certeza que Ele, neste tempo de recolhimento, vai a nossa frente, como o nosso Auxiliador. De fato estamos celebrando diferente, saímos da normalidade, mas não estamos dispersos, aliás, mais do que em outros tempos, o amor parece ter de fato encontrado espaço nos corações de muitos de nós. Como Ele vai a nossa frente, é um tempo que se nos apresenta como possibilidade de revisitar também a história daqueles que viveram as primeiras horas do cristianismo, vivendo como igrejas domésticas, em suas casas. Essas comunidades nos ensinam muito, pois fizeram a experiência do esvaziamento de Jesus, como está na segunda leitura de hoje, e por isso foram capazes de entregar suas vidas, não nas mãos dos carrascos que lhes tiraram a vida, mas nas mãos do Senhor, que as plenificou. Este tempo nos tem exigido um certo esvaziamento.

 A Semana Santa nos convida a fazer memória, a viver, os últimos dias e instantes da vida de Jesus como ouvimos no Evangelho. E eu quero convidá-los para que olhemos o texto de hoje numa perspectiva das mãos, já que estamos vivendo uma nova etiqueta:

Algumas preparam o burrinho, como também preparam o lugar para a páscoa; vemos as mãos puras do Senhor partindo o pão e levantando o cálice; mãos que carregarão a cruz e que suportará pregos; antes, porém, as mesmas mãos, sobre a cabeça, no jardim das Oliveiras, no momento de angústia por ter de beber o cálice amargo que lhe preparara a humanidade; Qual cálice é esse que Jesus bebeu?

O cálice de Judas: ele entrega Jesus nas mãos do poder religiosos, e pega em suas mãos trinta moedas, o preço daquele que lhe dera sentido à vida; com as mesmas mãos Judas abraça e o beija, entregando-o; com as mesmas mãos joga as moedas aos pés dos incoerentes no templo; e por não aguentar o fardo da consciência, com suas próprias mãos tira-lhe a vida;

O cálice dos sumos sacerdotes e anciãos do povo: com suas mãos dão dinheiro em troca do sangue de um inocente; elas estão manchadas com o sangue do justo; elas recolhem as moedas do arrependimento; com suas mãos irão rasgar as vestes acusando-o de Blasfemo; suas mãos acertam o Mestre por primeiro; suas mãos profanam o verdadeiro sentido da religião;

O cálice de Pedro: no ímpeto, com sua mão, corta a orelha do servo; com as mesmas mãos nega ser discípulo do Senhor; suas mãos buscará silenciar o canto do galo que lhe leva o amargo choro da traição;

O cálice do governo: as mãos de um governo podre, corrupto, que negocia, que agrada uns, condenam outros e que se acha no direito de dizer quem deve viver ou morrer, e com as mãos eliminam; são as mesmas mãos que brindam as alianças pérfidas, marcadas pela indiferença e o descaso, para manter-se no poder; são mãos sujas, mesmo que lavadas diante de todos, por eximir-se diante do dever de fazer justiça;

O cálice das multidões: as mesmas mãos que levantaram os ramos e os estenderam para o Senhor passar, aquelas mãos que o tocaram em busca da cura, que pegaram o pão multiplicado, são as mesmas mãos que, agora armadas com espadas e paus, vão até Jesus para prendê-lo; são as mesmas mãos que dão movimento e voz ao “crucifica-o”; são mãos de falsos juízes que, por serem massa de manobra, pedem a pena de morte ao justo;

O cálice dos soldados: os soldados lançaram suas mãos sobre o Mestre e o prenderam; com as mãos eles bateram nele, o surraram, tecerem uma coroa de espinhos e o coroaram; com as mãos puseram sobre Ele uma cruz pesada e lhe traspassaram com pregos; suas mãos o crucificaram; suas mãos levantaram a cruz manchada de sangue; com suas mãos jogaram, tirando a sorte para ver com quem ficaria as vestes do inocente; suas mãos lhe ofereceram vinagre, na hora da dor;

Por fim, há outras mãos nesse cenário: as das mulheres que enxugam o pranto, as do Cirineu que o ajudam a carregar a cruz; as de José que lhe tiraram da cruz, o limparam, o envolveram em lençóis e rolaram a pedra.

Jesus, com suas mãos, não fugiu, mas tomou o cálice. O sangue e a água que verteram do seu lado, lavou todas as mãos sujas. O amor lavou as mãos sujas do pecado, do pecado da morte, da indiferença, do pecado da corrupção, da injustiça, da inveja, da traição, da ignorância; banhou as mãos sujas de toda a humanidade, a quem apresentou o caminho da santidade.

Irmãos, parece que voltamos a sujar nossas mãos, tornando-as contaminadas, e por isto, uma arma, um perigo para todos. Onde tocamos com nossas mãos parecem roubar a vida, a esperança, a alegria. As mãos não abraçam mais, não acariciam mais, não tocam mais. Na verdade, não é de hoje que elas estão sujas. É que com as mãos tapávamos os olhos para não ver a realidade, ou fingir não vê-la; tapávamos os ouvidos, para não escutar os muitos gritos, até mesmo dentro de casa. As mãos eram violentas, ladras, assassinas, venenosas. Elas roubavam o sentido da vida, e por vezes, preferimos ficar com as mãos atadas para não nos dispormos com o outro. Eram mãos que jogavam alguns trocados, mas não eram mãos que lutavam pela justiça, a paz e a libertação; eram mãos seletivas, julgadoras, condenadoras; mãos que instrumentalizavam para benefício próprio; sem dizer das muitas mãos que personificaram o mal ao viralizar as fakes News. Quantas mãos manchadas de ódio, de vingança, do sangue de inocentes.

Mas agora um novo tempo chegou, e precisamos aprender ou reaprender a lavar as nossas mãos. Quem diria! Na era de tantas informações e evoluções tecnológicas, as mãos nos trancam dentro de casa, porque esquecemos de fazer bem algo tão simples, tão básico, tão comum. Porém, irmãos e irmãs, precisamos ir além, dar um passo a mais; precisamos aprender ou reaprender a permitir a sermos lavados pelo sangue e água da misericórdia que vertem do lado do Senhor. Mãos do Senhor sempre estendidas sobre nós. Não percamos esta oportunidade! Aliás, já estamos colhendo bons frutos feitos e trazidos por mãos limpas: por aqui há mãos que têm feito bolos e doces para partilhar com os invisíveis da sociedade; mãos enrugadas que costuram, apressadas, aventais, lenções, máscaras para os hospitais e outras casas; mãos que cuidam, quem amparam e que acalmam, mãos que produzem, que limpam, que consolam e que não medem esforços, nos muitos profissionais da chamada linha de frente; mãos que carregam cestas de alimentos para os pequenos, famintos; mãos que se juntam para rezar; mãos que tocam uma música para alegra; mãos que acenam para o vizinho que até então era desconhecido; aliás, um aceno nunca valeu tanto como nesses dias; mãos que carregam sacolas de solidariedade; mãos que partilham do que tem, descobrindo o outro como igual. E aqui irmãos, sábado passado lançamos uma campanha de solidariedades aonde pensávamos atender 70 famílias, e conseguimos levantar, além de muitos alimentos, 44 mil reais parta assistir as famílias da nossa região.

É um tempo também de libertação. Ao tirarmos as mãos dos olhos, nos têm permitido a enxergar o outro como ele é, e ao mesmo tempo, o como eu sou; nos tem permitido a enxergar as mazelas da sociedade como nunca enxergamos, numa das maiores crises sanitárias do país, com uma situação de miséria acentuada, com milhões de pessoas desempregas, vivendo em casas superlotadas; exploradas e que agora não têm dinheiro para passar esta crise, não por não serem econômicas, ou más administradoras, mas porque esse dinheiro ficou nas mãos de outras pessoas que lhes roubaram. Mãos agora manchadas com sangue de inocentes; responsáveis por cada morte. É tempo de despertar, para sair de uma zona de conforto de defender canalhas de direita, de esquerda e de centro, por mera subjetividade, sem se importar com o igual a si.

Aprendamos, de fato, a tirar as mãos dos olhos e dos ouvidos e a reconhecer o outro como ele é. Abandonemos a ilusão de sermos superiores, melhores, mais poderosos, e aprendamos a olhar o outro como igual.  Somente quando reconhecemos o outro como igual somos capazes de reconhecer também as suas diferenças, as suas necessidades, as suas particularidades, e também as minhas. É de fato libertador!  Não nos esqueçamos que Ele, o nosso auxiliador, o justo Senhor que vamos seguir ao longo desta semana, “esvaziando-se a si mesmo... tornou-se igual aos homens”. Este é o nosso caminho, olhar o outro como igual. Ele nos dá “língua adestrada, para que saibamos dizer palavras de conforto à pessoa abatida; ... nos excita o ouvido, para prestar atenção como discípulos”. Se puder, não saia de casa. Tenhamos todos uma Semana Santa abençoada, aonde Deus toca com suas mãos a nossa mente e o nosso coração.

Pe. Reginaldo Teruel Anselmo

Paróquia Santa Maria Goretti